Quando a
minha mãe me pediu para que eu escrevesse esse texto, ela estava na minha casa
em Brasília. Mesmo sendo a casa dos meus pais o meu verdadeiro lar e porto
seguro, indiferente de quantos anos eu tenha, mas demorei muito até entregar isso,
porque além de estar num momento muito importante da minha vida, é sempre muito
difícil escrever alguma coisa sobre nós, ou sobre nossa história. Porque a
minha história de vida faz parte da história do Mica e vice e versa.
Eu não me
lembro quantos anos eu tinha quando tudo começou, mas tenho certeza que minha
mãe sim. Eu nunca tive boa memória e continuo não tendo, mas tenho sorte na
vida, o que é muito melhor que memória, porque as boas coisas a gente sempre
lembra!
Como ser
comum não é o meu forte, vou fazer diferente, contar a história de trás pra
frente.
Hoje é dia
18 de agosto de 2012, estou em Manchester- Inglaterra, organizando a
aclimatação da delegação Paralímpica Brasileira, onde estamos prestes a
embarcar para Londres, para o momento mais importante de muitas vidas aqui.
Sou a
administradora do departamento de Saúde, Doping e Classificação, três
departamentos necessários para uma competição, e que muitas vezes nem acreditei
que poderia chegar aqui, onde somente 320 pessoas estão, numa Paralimpíada, mas
outras pessoas acreditaram.
Há um ano
atrás estava em Guadalajara,México, nos Jogos Parapan-Americanos, onde vi o que
é um grande evento e onde nós brasileiros somos bons, mas isso somente
aconteceu porque alguém me incentivou
a fazer o meu máximo.
Alguns
meses antes estava enfrentando uma dificuldade que tenho, aprender outro
idioma, e não vou negar, foi muito bom! Serão momentos que nunca vou me
esquecer, morar fora não é apenas uma experiência inacreditável, mas altamente
engrandecedora, é inexplicável essa possibilidade. Mas isso que tive, onde não
precisei me preocupar com nada além do que tinha me proposto a fazer não seria
possível se alguém não tivesse me apoiado.
Durante
anos fiquei em busca de uma coisa que talvez nunca alcançasse, trabalhar com
pessoas deficientes e sobreviver disso. Convivi com pessoas das quais a maioria
da população nem se quer tenha visto, quanto mais convivido. Quem já foi de
carona no carro de um tetraplégico dirigindo? Ou, quem já foi a uma festa, onde
talvez você seja uma das poucas que escuta, ou a uma festa que você teve que
fazer metade de um bar sair das mesas e trocar por que seus amigos cadeirantes
não chegavam ao mezanino? Mas mesmo com dificuldade e estranheza alguém me compreendia.
Com 17
anos todos nós temos que fazer uma escolha, o famoso “o que quero ser quando
crescer”, que quem tiver dúvida estou afirmando aqui, ninguém sabe exatamente o
que quer ser com 17 anos, e como a grande maioria quase escolhi a alternativa
errada. Prestei faculdade de engenharia, e se a pessoa que me conhece está
lendo isso, sabe muito bem que eu não tenho nada haver com ficar parada e só
pensando, sou hiperativa, tenho que gastar isso dentro de mim. Mas somente quando
fui chamada para uma segunda chamada da lista, alguém me instruiu e me fez ver que essa não seria a melhor escolha, mas
algo mais próximo do que eu sou.
Anos antes
fui bailarina, e muitos antes também, mais de 10 anos nessa vida, pois isso é
uma escolha de vida, como ser parte de um grupo, um clã. Não posso dizer que
não aproveitei minha adolescência, mas certamente não aproveitei da mesma
maneira que muitas outras meninas da minha idade, pois enquanto elas faziam o
que toda menina faz com 17 anos, eu estava num palco, ou sábado de manhã
enquanto estavam dormindo eu estava fazendo um coque e me alongando, ou quando
elas estavam saindo para passear e eu querendo um fisioterapeuta pra cuidar do
que eu mesma tinha estragado.
Mas isso
foi o que eu queria, e sempre tive quem me desse suporte para essas escolhas, e sempre tinha alguém na primeira fila
para chorar, aplaudir, “corujar” e me amar. Foram momentos que me transformaram
no que sou e no que eu queria ser.
Até chegar
no que eu realmente queria fazer (dançar) fiz muita outras coisas, pintura,
piano, violão, teclado, coral, desenho, teatro... e sei lá mais o que, foi
tanta coisa que fiz que nem me lembro.
Mas como
eu disse antes que a minha memória não é muita boa, mas tenho certeza que esse
início vai ser bem relatado por outros, pois esse depoimento não foi feito somente
para os 20 anos do Mica, onde eu cresci, mas para tentar agradecer a alguém que
acreditou, incentivou, apoiou, compreendeu, instruiu, e me ama, e que faz tudo
por mim, e por centenas de crianças. Essa pessoa me incluiu num mundo muito
melhor, num mundo de possibilidades, sonhos e realidades, fez com que eu
pudesse experimentar todo o tipo de atividade, o que me faz ser hoje muito mais
criativa e confiante, e que nunca devo desistir, que me faz ser uma pessoa,
como disse, diferente.
Essa
pessoa é minha mãe!
Mas não
tenho que agradecer somente a ela, mas a cada professor e professora do Mica,
do meu primeiro professor de pintura (Severino) na biblioteca à minha última
professora de ballet na Royal Academy of Dance (Dona Araci), porque cada pessoa
que me ensinou algo é muito importante.
Daqui se
encerra o meu depoimento, pois já são 23h e o meu plantão na secretaria dos
Jogos acabou. Muito obrigada a todos por fazerem parte da concretização do meu
objetivo. Todos vocês tiveram um papel fundamental nessa caminhada.
Juliana Soares, Parabéns!!! Eu, curti tua história e me emocionei.
ResponderExcluirAs mães são sempre o nosso anjo guardião, que vêem, e as vezes
sentem, o prisma dos seus filhos. Que Deus te abençoe sempre.
E também parabenizo-te por fazer parte do MICA!
Cordialmente
Fraternal abraço
Maura Fernandes
Olá Juliana e Maria,
ResponderExcluirMuito bonita a história do Mica, o seu depoimento, e também as palavras da sua mãe. Eu fiquei especialmente comovida, talvez por que isso tudo também faz parte de mim, e acredito piamente na influência da Arte na vida das pessoas, especialmente quando ainda se é criança...
Felizmente você teve acesso a arte, mas muitas crianças não tem, não tem sequer uma orientação nesse sentido, alguém que possa fazê-los descobrir um dote natural, principalmente as de origem mais humilde...
Acredito que toda criança tem um dom natural, mas muitas vezes ela nem sequer faz ideia do que seja, e por isso acho fundamental um trabalho que faça esse tipo de inclusão , não somente a crianças especiais, mas aquelas que residem em comunidades mais carentes, e que podem se tornar pessoas incríveis.
Acho que sua mãe tem toda razão, a arte é facilitadora em muitos processos de desenvolvimento da criança, aliás ela é fundamental, capaz de salvar muitas vidas...
Eu mesma nasci abençoada com uma sensibilidade incrível, mas nunca soube lidar com ela, e muitas vezes fui criticada erroneamente, passando por situações de sofrimento que poderiam ter sido bem diferentes se eu tivesse tido acesso a arte.
Parabéns pelo trabalho de vocês !
Eu também tenho muita vontade de construir algo assim.
Abraços, Luciana Magalhães
Luciana
ExcluirMuito obrigada pelas palavras de carinho e incentivo ao nosso trabalho. De onde você é? O que faz? Divulgue nossos concursos de arte para as crianças que você tem contato. Grande abraço.Maria José Soares
Lindo Depoimento
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